domingo, 23 de outubro de 2011

A neve



Parece que não cheira a neve. Já ouço esta conversa desde que me dou com esta espécie mais setentrional, gente loura de olhos azuis e pouca tolerância a temperaturas acima dos 18 graus Celsius. Dizem-me que podemos prever o advento dessa forma maravilhosa de precipitação segundo o cheiro. A coisa, de tão absurda, sempre me pareceu gambuzinos para mouros. Como raio pode a neve por cair influenciar o cheiro do ar? Fiz um esforço de fé que acompanhei com uma tentativa de explicação pseudocientífica do fenómeno- seria a conjugação do ar frio com o céu nublado. No entanto, descobri que a reunião desses factores n era suficiente para a queda de neve, e continuei confuso. De facto, podemos ter dias e dias dum frio dos tomates e céu nublado sem que caia um mísero floquinho de neve. Às vezes n cai nada, às vezes cai chuva e eu fico com cara de otário a pensar “porra, tamos abaixo de zero, congela-te sésamo!”. Mas não, a meteorologia tem razões que a minha razão desconhece. E o cheiro continua a ser um mistério.
E apesar disso asseguram-me que é verdade, garantem-me o rigor e os méritos desta interpretação sensorial para prever a meteorologia futura, quase ao ponto de ficarem ofendidos com o meu cepticismo! Ora, para mal dos meus pecados, apesar das temperaturas negativas e das nuvens frequentes, dizem-me que por ora o cheiro está ausente destas paragens, parece que anda pelos Alpes.
É óbvio q para estes vikings insensíveis q me rodeiam isto n tem qualquer importância, neve é neve, é como chuva ou vento ou vacas ou acidentes rodoviários, contingências da vida nas montanhas. Mas claro q isso n faz qualquer sentido. Contrariamente a acidentes rodoviários, chuva, vento ou vacas, a neve é um acontecimento mágico, lindo e tão exótico como um ornitorrinco! Na serra do Caldeirão é mais fácil testemunhar um acidente rodoviário com um carro conduzido por uma vaca num dia de vento e chuva que ver cair 1 único floco de neve! Mas os vikings n sabem, e n gostam da neve nem do frio que a acompanha. O que é curioso, porque também não gostam do calor algarvio das noites estivais. Nos países civilizados vive-se com conforto entre 8 e 18 graus, temperaturas acima ou abaixo deste intervalo são uma provação atroz a que se sobrevive a custo, com perseverança e ar condicionado.
Pois eu gosto de extremos, gosto de suar em bica imediatamente antes do alívio do mergulho mas também me agrada sentir que uma onda glacial me invade o peito a cada inspiração, cada coisa a seu tempo e muito de ambas, se faz favor! E como sou quase africano um Verão ameno é um anticlímax brutal. Quero é mangas cavas, volantes escaldantes, estradas ondulantes e noites de 30 graus. Mas agora n é Verão, e desde a catástrofe do nine/six sinto-me somewhat alheado dos sentimentos joviais que associo aos meses de calor. Nem sequer me deprimiu muito estar aqui sabendo que em Portugal houve calor a sério até meio de Outubro. Fiz o meu casulo hiemal e abracei o meu locus horrendus! Disse salut vento e chuva, ça va ruminantes, bonjour silhuetas rubras à beira da estrada, lúgubres representantes da juventude montanhesa de vidas colhidas pelo álcool e pelas curvas apertadas.
Mas com o passar do tempo o meu humor vai melhorando, o meu fel vai-se diluindo e o locus horrendus continua a ser muito confortável mas já me aborrece um bocado. Acho que a criancinha meridional que dormita em mim já está pronta para se deslumbrar com a beleza natalícia da neve! E dou por mim a olhar esperançosamente para o céu e para o termómetro, à espera de neve, perante o escárnio dos vikings, senhores do seu nariz, seguros das suas capacidades de previsão meteorológica.

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